O QUE A BNCC PROPÕE PARA A ALFABETIZAÇÃO?
Quanto tempo é necessário para alfabetizar? Qual a melhor maneira de
ensinar a ler e a escrever? O que significa, no fim das contas, estar
alfabetizado? Essas foram algumas das polêmicas sobre alfabetização levantadas
durante a tramitação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
Com o documento aprovado, essas questões foram apenas parcialmente
resolvidas. O documento mantém os principais pressupostos presentes em
diretrizes anteriores, como os Parâmetros Nacionais Curriculares (PCNs), mas
também incorpora mudanças. Oficialmente, a BNCC não traz direcionamentos sobre
as abordagens que devem ser adotadas, mas existe uma perspectiva que está por
trás da elaboração do texto: nela, o trabalho com algumas relações entre fala e
escrita é enfatizado. O documento justifica essa ênfase como um reconhecimento
de que a apropriação do sistema alfabético de
escrita tem especificidades e colocando-a como foco principal da ação
pedagógica nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Abaixo, você vai conhecer
as demais propostas conceituais do documento.
Alfabetização explícita
A BNCC reconhece a especificidade da alfabetização e propõe a mescla de
duas linhas de ensino: a primeira indica para a centralidade do texto e para o
trabalho com as práticas sociais de leitura e escrita, a segunda soma a
isso o planejamento de atividades que permitam aos alunos refletirem sobre
o sistema de escrita alfabética (estudar, por
exemplo, as relações entre sons e letras e investigar com quantas e quais
letras se escreve uma palavra, e onde elas devem estar posicionadas ou como se
organizam as sílabas).
Linguagem como forma de interação
A BNCC assemelha-se aos PCNs quando assume a perspectiva
enunciativo-discursiva de linguagem, reconhecendo que ela é uma
atividade humana e faz parte de um processo
de interação entre os sujeitos. A linguagem materializa-se em práticas sociais,
com objetivo e intenção. Por essa razão, estabelece a centralidade
no texto como unidade de trabalho e indica a necessidade de sempre
considerar a função social dos textos utilizados.
Durante a alfabetização, isso sinaliza para a importância de que os alunos
trabalhem com textos reais – e não exclusivamente criados para o trabalho
escolar como “Ivo viu a uva”.
O documento também aponta para uma continuidade do que é feito na Educação
Infantil, deixando mais claro que há uma ponte entre os dois segmentos. É
preciso compreender que ambos estão interligados, portanto, nos anos iniciais
do Fundamental será possível intensificar e estruturar as experiências com a
língua oral e escrita iniciadas na Educação Infantil.
Ao assumir essa postura, o documento considera as contribuições da perspectiva
construtivista, principalmente os estudos sobre os processos pelos quais as crianças
passam para se apropriar da escrita. Mas, também, aponta ser preciso um
trabalho com a consciência fonológica e com
conhecimento das letras para ajudar a criança a evoluir em suas hipóteses
de escrita.
Essa opção pela alfabetização explícita gerou muitas discussões e
resistência entre os especialistas durante a elaboração da BNCC, mas prevaleceu
o entendimento de que as crianças aprendem de diferentes maneiras e esta pode
ser uma opção para a parcela que não tem sido alfabetizada apenas pelas
propostas das diretrizes anteriores. Indicar a inclusão de atividades
específicas sobre notação alfabética não significa
desprezar a imersão no texto e sua função
social nem estabelecer uma ordem de prioridade entre os dois trabalhos. Até
porque não basta dominar o sistema de escrita para estar alfabetizado. É
preciso também ser capaz de ler e escrever textos de diversos gêneros. Um
processo que o próprio documento indica ter continuidade a partir do 3º ano,
quando a ênfase é na ortografização.
Vale frisar que, ao contrário dos PCNs, que ofereciam ao professor
orientações didáticas e elementos para avaliação, a Base não trata dessas
partes. O documento concentra-se na proposição das competências
e habilidades essenciais que todos os alunos devem desenvolver a cada ano e
etapa da Educação Básica, ou seja, o foco está em “o que ensinar”. A construção
do “como ensinar” virá nos currículos, cuja revisão está a cargo de redes,
escolas e docentes.
Alfabetização em dois anos
O ano de escolaridade limite para uma pessoa aprender a ler e escrever
foi uma das questões mais discutidas durante a elaboração da BNCC. O Pacto
Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), que é a diretriz anterior,
coloca como prazo-limite o 3º ano. A BNCC antecipou para o 2º ano e aponta que,
no 3º ano, o processo continua com mais foco na ortografia.
Muitas redes de ensino municipais e estaduais já atuam nesse formato.
Mas há aquelas que deverão aproveitar a revisão dos currículos para fazer ajustes.
De qualquer maneira, para dar conta de alfabetizar os alunos ao fim do período
indicado, torna-se fundamental, como a Base indica, a articulação entre os
currículos de Educação Infantil, nos quais a criança já estará imersa em
experiências de leitura e escrita, com os dos anos iniciais do Fundamental,
quando se aprofunda e sistematiza o trabalho.
Campos de atuação como eixo
estruturante
Novidades importantes trazidas pela BNCC, os campos
de atuação representam, na organização do documento, papel de eixo estruturante
tanto quanto as práticas de linguagem. Essa opção
evidencia a proposta de contextualizar a construção do conhecimento. A ideia de
que as práticas de linguagem estão na vida social e devem ser levadas à escola
em situações reais em que se fazem necessários os seus usos. Para os anos
iniciais, são quatro campos: vida cotidiana, artístico-literário, práticas de
estudo e pesquisa e vida pública.
Destaque para o multiletramento
A ampliação no uso da tecnologia alterou as práticas de linguagem na
sociedade atual. A BNCC reflete isso ao dar ênfase ao ensino das
especificidades da leitura e da escrita em ambientes
digitais, entre outros. Os gêneros clássicos (conto, crônica, entrevista,
notícia, tirinha, receita etc.) estão presentes no documento, mas este abriu
espaço também a novos gêneros (como chats, tuítes, posts, e-zines etc.) e
a textos multissemióticos e multimidiáticos, que consideram,
além do escrito, imagens estáticas (fotos, pinturas, ilustrações, infográficos,
desenho) ou em movimento (vídeos, filmes etc.) e som (áudios, música) –
componentes que também atribuem significado à mensagem. Para os anos iniciais,
cabe ao professor contribuir para a construção desse multiletramento e
qualificar as produções e a utilização das ferramentas digitais, considerando
também os aspectos éticos, estéticos e políticos.
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